14/07/2017

(Entrevista-Distimia2)


Entrevista com a escritora Lenise M. Resende, 
sobre Distimia, para a revista "TRT Rio em Revista":

1 - Qual a sua relação com a distimia? A senhora tem (ou teve) distimia ou tem familiares/amigos com a doença?
Resp. – Eu tenho distimia.

2 - Conte um pouco sobre a sua relação com a distimia, nos diga quando a doença começou (na senhora ou no seu familiar), como se desenvolve, como é conviver com a distimia, se existe algo que possa ser feito para "driblar"  os efeitos da doença, algo para melhorar o dia a dia de quem convive com o distímico ...
Resp. – A distimia frequentemente começa na infância. Provavelmente seja o meu caso, mas só comecei a fazer tratamento psiquiátrico e psicanalítico quando tive depressão, após a perda de um filho. E só depois de muitos anos é que fiquei sabendo sobre a distimia, porque essa classificação diagnóstica só começou a ser usada após sua publicação, em 1980, no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III).

No livro De Bem Com o Mal do Humor, de minha autoria, a personagem diz na página 121: "Se eu tivesse que dar um único conselho a uma pessoa que acabou de receber o diagnóstico de distimia seria: 'Procure tratar-se com um psiquiatra em quem você confie. Ficou em dúvida - indague. Não gostou da resposta - mude a pergunta. Mas persevere tanto no tratamento quanto na confiança em si e no seu médico. E, diria o mesmo, caso essa pessoa fosse fazer também um acompanhamento psicoterápico.

Para dominar os sintomas da distimia é preciso ser perseverante. E se o tratamento com medicação e psicoterapia não estiver dando o resultado desejado, existem outras opções que podem ajudar: praticar atividades físicas leves como caminhadas e aulas de dança, praticar meditação ou ioga, participar de grupos de autoajuda ou de ajuda mútua como Neuróticos Anônimos, e participar de algum trabalho comunitário.

3 - Como somos um Tribunal do Trabalho, vamos dar enfoque também às relações no trabalho. A senhora dá alguma dica para a pessoa que convive com um colega de trabalho que tem distimia e é irritadiço/mal humorado/melancólico...?
Resp. – O médico Antônio Geraldo da Silva, ex-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), afirmou em uma entrevista a revista Isto É, que o preconceito contra a doença mental "existe na família, no trabalho, e no próprio paciente". Sendo assim, dificilmente um distímico conta aos colegas de trabalho sobre a doença. Mas, caso ele venha a contar, será fácil perceber, por exemplo, que ele sempre irá recusar convites para eventos fora do trabalho. Seria bom, no entanto, que mesmo que os convites continuem, até mesmo para que a pessoa não se sinta excluída, que eles não sejam acompanhados de comentários irônicos ou de insistência excessiva.

Outra comemoração que os distímicos costumam evitar é a do seu próprio aniversário. Por isso, nas empresas que comemoram os aniversariantes do mês, o melhor é consultar antecipadamente o aniversariante distímico, ou fazer uma comemoração discreta e rápida para não constrangê-lo.

É muito importante que os colegas de trabalho entendam que a distimia é uma doença, e o mau humor, a irritação e a tristeza são sintomas que não estão necessariamente relacionados com as pessoas à sua volta.

4 - Como funcionam os grupos no Facebook? Vocês têm reuniões presenciais ou funciona como um espaço virtual para desabafos e troca de experiências?
Resp. – Em geral os grupos no Facebook são de apoio e dirigidos aos portadores de distimia, mas familiares e amigos também podem participar. Há quem prefira utilizar o espaço para desabafar, expor seus problemas e dúvidas, e ler depoimentos de distímicos. Mas há quem prefira ler artigos sobre distimia e assuntos afins, saber mais sobre os profissionais que nos tratam, a medicação que tomamos, os diferentes sintomas, etc. Por esses motivos, em 2014, criei o meu próprio grupo (Distimia-Brasil) onde além de desabafar a pessoa pode encontrar mais informações. Reuniões presenciais entre membros de grupos de distimia, se acontecem, são raríssimas. De tempos em tempos alguém planeja uma reunião desse tipo, mas só vi a confirmação de uma que ocorreu em São Paulo, em 2016.

5 - A senhora enxerga algum traço em comum com a maioria dos participantes do grupo? Algum sintoma específico que seja comum a todos, uma faixa etária prevalecente, a maioria é de mulheres ou homens...?
Resp. – Não é fácil dar uma resposta precisa pois o número de membros participantes oscila muito. Mas a maioria dos membros dos grupos de distimia parece ter menos de quarenta anos. E, além de irritabilidade, desânimo, desesperança, pessimismo, e baixa autoestima, uma característica marcante dos portadores de distimia é o isolamento social. Algumas vezes temos a impressão de que em determinado grupo existem mais mulheres, mas o depoimento de um homem pode fazer com que outros homens se manifestem, dando apoio ou trazendo novos assuntos, dúvidas ou opiniões, e tudo muda.

6 - Os grupos do Facebook existem há quanto tempo? Têm pessoas de todo o Brasil ou só do Rio? Os participantes são todos pacientes ou os grupos são também de apoio a familiares e amigos?
Resp. – Os primeiros grupos sobre distimia que conheci na internet foram no Orkut. No Facebook, inicialmente os distímicos devem ter frequentado grupos sobre depressão, já que a distimia é um tipo de depressão. Essa foi a impressão que tive ao verificar que o mais antigo grupo existente foi criado apenas em 2010. Criado por um espanhol, esse grupo logo atraiu membros de diversos países de língua espanhola, mas, em 2014, o idioma mais falado pelos frequentadores era o português. Então, por sugestão de um membro, o dono do grupo passou a dividir sua administração com alguns brasileiros. Até hoje, os brasileiros dos mais diversos estados são a maioria, embora o número de falantes de língua espanhola continue crescendo.

7 - Há algum caso mais crônico ou que tenha se sobressaído que a senhora possa compartilhar?
Resp. – A distimia é uma doença crônica. E os casos de intenção suicida são os que mais mobilizam os participantes, que não medem esforços para fazer com que o outro desista. "A relação entre distimia e suicídio é estreita e perigosa. Por isso, o fato de provocar depressão menos intensa, porém mais prolongada, não significa que seja mais leve. Imagine qual é a sensação do indivíduo que vai somando só perdas ao longo da vida. Talvez isso explique por que 15%, 20% dos pacientes com distimia tentem suicídio." Alertou o psiquiatra Táki Cordás em uma entrevista ao Dr. Dráuzio Varella.

8 - Li que a senhora é autora de pelo menos um livro que trata de distimia (De Bem com o Mal do Humor). Com o que ele contribui para o distímico ou para as pessoas que convivem com ele?
Resp. – Sou suspeita para falar, mas a melhor descrição sobre a distimia que conheço foi dada pelo psiquiatra e psicanalista Humberto Mauro Lessa de Vasconcellos, no prefácio do meu livro De Bem Com o Mal do Humor: "O que é a distimia? Por que ela tem despertado tanto interesse nos tempos atuais? Primeiro e sobretudo porque é uma forma insidiosa de depressão crônica, não episódica, aparentemente menos grave do que as 'grandes' depressões, mas tão incapacitante quanto estas, diminuindo consideravelmente a qualidade de vida de seu padecente. Este pode ser caracterizado pelo mau humor crônico, de forma constante, poli queixoso, sem perspectivas e resistente às mudanças que surgem, respondendo de forma negativista e sarcástica."  

De Bem Com o Mal do Humor, lançado em 2015 pela Caligo Editora, é um romance psicológico sobre a distimia. Temas como família, casamento, depressão, ideação suicida, psicoterapia e internação são descritos com leveza e sem julgamentos, de forma a ajudar os distímicos, seus familiares, amigos, e também os profissionais de saúde a entender e a refletir sobre as dificuldades que os portadores da doença enfrentam no dia a dia. 

9 - Além desse livro, a senhora indicaria algum filme/documentário/outro livro sobre o assunto?
Resp. – O primeiro livro publicado no Brasil sobre o assunto foi "Distimia, Do Mau Humor ao Mal do Humor, de Táki Cordás, Ricardo Moreno, Egídio Nardi, e colaboradores, 118 págs., Editora Artmed, 2010". Sinopse: Apesar de sua elevada prevalência e de suas consequências para pacientes, seus familiares e a sociedade, a distimia constitui-se em condição ainda pouco diagnosticada e muitas vezes inadequadamente tratada. Nesta terceira edição, atualizada e ampliada, os autores se debruçam sobre o tema, discutindo desde a perspectiva histórica até as formas de tratamento.

Em recente pesquisa feita no Google, fiquei sabendo que existem alguns filmes que tem um personagem aparentemente distímico, são eles: Pequena Miss Sunshine; Sideways, Entre Umas e Outras; e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Mas ainda não assisti a nenhum deles, por isso não posso confirmar.
 
Nota - Entrevista com a escritora Lenise M. Resende, feita por Ana Luiza R. Nóbrega M. A. dos Santos, da Assessoria de Imprensa e Comunicação Social do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, para a revista "TRT Rio em Revista". (29/06/2017)

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